Por Maria Goreti Lopes de Arruda*
Em meio a tantos sofrimentos, no qual o homem se vê mergulhado, ainda é possível emergir a esperança?

Em cada etapa da vida, somos chamados a responder a alguma questão existencial, para a qual há somente uma possibilidade de escolha. A escolha que fazemos marca para sempre a nossa vida, com consequências que se tornam marcas em nossa existência. A Logoterapia enquanto psicoterapia quer proporcionar uma ajuda ao homem na procura de sentido e na superação de seu sofrimento.

Viktor Frankl, um dos maiores psiquiatras da história, fundador da Logoterapia, em seu pensamento indica três caminhos de valores carregadas de sentido:
1. Os valores vivenciais: Referem-se ao encontro com outras pessoas e nos ajudam a perceber algo de valioso no mundo.
2. Os valores criativos: Realização de uma obra ou um ato. Aqui, poderíamos citar as obras de artes e as descobertas científicas. Mas, atos como criar um filho, exercer uma profissão de forma consciente, cuidar de um doente e visitar um amigo também são pequenos atos que se transformam numa obra grandiosa de valor.
3. Os valores atitudinais: A liberdade de assumir diferentes atitudes diante do destino.
Existem momentos em que a vida se encontra limitada pela dor, pela morte, pela doença. É quando esses valores não parecem possíveis de se manifestarem. A desesperança se instala, não vemos possibilidades de um futuro melhor, não vemos perspectivas de continuar a existência. São inúmeros os questionamentos que surgem dentro de nós. Nesse momento, somos confrontados com o Logos (sentido da vida) e somos chamados a descobrir o sentido daquele momento de sofrimento que são, algumas vezes, inevitáveis.
Ajudar, então, o homem a olhar para a sua existência com confiança, faz com que ele retome a esperança de que é possível realizar um valor, é possível ter sentido em sua vida, mesmo em meio ao sofrimento.
Como cristãos, meditando o tempo Quaresmal e adentrando ao Mistério Pascal, podemos refletir sobre o sofrimento de Cristo e o seu amor por todos. Amor que nos une novamente ao céu, à eternidade, ao supra sentido, ao sentido último do cristão, isto é, à Ressurreição.
Com a Boa Nova da Ressurreição a esperança de cada um de nós poderá ser alimentada por viver os valores indicados por Frankl como caminhos para a eternidade, como caminho daquele que um dia parte e deixa rastros, deixa memória para os seus e para o mundo. Viver uma vida de valores é o que nos realiza.
“Nós podemos descobrir o significado da vida de três diferentes maneiras: fazendo alguma coisa, experimentando um valor ou o amor, e sofrendo” (Viktor Frankl).
Minha experiência com a Logoterapia
Quando ouvi os conteúdos da Logoterapia, aquilo me soava como uma musicalidade já conhecida. Mas me perguntava: como que posso conhecer, se nunca tive contato com essa escola? Então, fui percebendo que aquela musicalidade já estava em mim, na minha sinfonia. O maestro quando rege uma orquestra, sabe que todos os músicos já têm a harmonia em seu ser, já vivem a música, já sentem em unidade com ele, pois a música já está na alma deles. Sem pretensão de me igualar a Viktor Frankl (fundador da Logoterapia), mas ao conhecer a sua obra, minha alma já estava em unidade com seu pensamento.
As águas eclodiam transbordando num rio, emudecendo as margens para brotar e florescer os campos. Nessa hora, comecei meu verdadeiro processo de formação, ao conhecer o homem na visão antropológica de Frankl. Então, percebi que a Logoterapia não é um divisor de águas, a qual a terapia moderna quis impor, ela vai além do psicológico, quando ressalta a totalidade do homem como ser espiritual pessoal. Essa extensão constitui a base ontológica da Logoterapia como sistema.
Um ponto firme no horizonte, pressuposto por nós, é que, em última análise, ser homem, significa ser responsável e que o homem é um ser em luta pelo sentido concreto da sua existência. Essa é uma frase do Frankl. Ele vê a espiritualidade do homem como uma essência que jamais se poderia separar, pois o homem só se encontra por inteiro, por completo, no seu espiritual. Isso, para mim, foi um ponto muito forte, não ver o homem só na dimensão psicológica, emocional, física ou biológica, mas também nessa dimensão existencial, na qual se vê o homem por inteiro.
Acreditamos que, no mais profundo do ser, o homem é capaz de ressurgir do seu nada e é capaz de redirecionar a sua vida. Então, o que faz o homem querer ressurgir e ultrapassar o seu sofrimento? É dentro do seu ser que está essa força. É nessa dimensão existencial que se encontra com ele mesmo e decide. Mesmo no sofrimento, o homem é capaz de encontrar um sentido, que o faz capaz de suportar muitas situações em sua vida, é capaz de fazer escolhas e seguir adiante.
Nós, psicoterapeutas não somos quem vai indicar o caminho, mas ajudá-lo a encontrar o caminho que já está dentro dele, dentro dessa sua dimensão existencial que é sadia, é original, é perfeita. Assim como nós, cristãos, acreditamos que Deus nos criou sadios, perfeitos e originais. Então, nós somos capazes de encontrar o sentido da vida. Sendo assim, a Logoterapia veio bem de encontro com a minha fé cristã católica.
*Maria Goreti Lopes de Arruda é psicóloga do Instituto Católico de Psicologia e Pesquisa (ICaPP).
Excelente artigo.
É interessante como a idea de busca de sentido no sofrimento é um tema frequênte na filosofia.
Me lembrei do conceito de “Amor Fati” do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Essa ideia sugere que devemos abraçar e amar todas as experiências da vida, mesmo aquelas dolorosas ou desafiadoras, pois elas nos moldam e nos fortalecem. Acredito que tanto a Logoterapia quanto a fé cristã compartilham a ideia de encontrar sentido e propósito no sofrimento, o que nos permite superar adversidades.
Outro autor que me veio à mente foi o teólogo e filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard. Ele defendeu a ideia de que a fé é um salto “absurdo” no escuro, que nos permite transcender as limitações da razão e encontrar um significado profundo na vida. A conexão entre a Logoterapia e a fé cristã pode ser vista como um exemplo dessa transcendência, já que ambos abraçam o sentido do sofrimento e a capacidade humana de encontrar esperança e propósito mesmo em situações adversas.
Além disso, gostaria de explorar a relação entre a Logoterapia e a ideia de “kenosis” na teologia cristã. A kenosis, ou autoesvaziamento, refere-se à renúncia de Cristo à sua divindade para se tornar humano e experimentar o sofrimento humano. Esse conceito pode estar relacionado aos valores atitudinais mencionados por Frankl, que envolvem a liberdade de assumir diferentes atitudes diante do destino. A kenosis nos convida a abraçar nossa humanidade e encontrar um significado mais profundo em nossas experiências, mesmo aquelas dolorosas.