Jejum Quaresmal: uma prática saudável do ponto de vista biológico e espiritual

“O jejum é a alma da oração, e a misericórdia dá vida ao jejum. Ninguém queira separar estas três coisas, pois são inseparáveis. Quem pratica somente uma delas ou não pratica todas simultaneamente, é como se nada fizesse. Por conseguinte, quem ora, também jejue; e quem jejua, pratique a misericórdia. Quem deseja ser atendido nas suas orações, atenda às súplicas de quem lhe pede; pois aquele que não fecha seus ouvidos às súplicas alheias, abre os ouvidos de Deus as suas próprias súplicas.” ( São Pedro Crisólogo, séc,V)

Iniciamos o tempo litúrgico ao qual chamamos de Quaresma, que são esses 40 dias de preparação para a celebração da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. O número remete a numerosos episódios bíblicos: os 40 dias do dilúvio, os 40 anos em que o povo judeu vagou pelo deserto, os 40 dias que Moisés passou com Deus no Sinai, e Elias na montanha, os 40 dias de Jesus no deserto e etc.

Aqui, queremos dar ênfase a prática do jejum neste período propício, pois podemos lembrar os 40 dias de Jesus no deserto antes de começar sua vida pública, após receber o batismo no rio Jordão, por intermédio de seu primo João (Lc 4, 1-13).

O jejum tem sido utilizado por diversas religiões no decorrer da história, com a finalidade de colocar o corpo e a mente em equilíbrio para assim facilitar o encontro com o sagrado. Podemos citar personagens históricas como Buda, Maomé e o Apóstolo São Paulo. São figuras importantes da história, porém, infinitamente acima delas, está o próprio Jesus Cristo, que também praticou o jejum como uma forma de fortalecer o espírito, vencer as tentações e para expulsar demônios.

Podemos dizer que ao praticar o jejum exercitamos o caminho do equilíbrio das paixões em um sentido humano espiritual, no sentido psicológico podemos dizer que é uma forma de buscarmos a regulação emocional, ou seja a abstenção do alimento, não como um desprezo ou como algo agressivo à auto imagem, no caso da patologia que chamamos anorexia, mas como uma atitude consciente e legítima da liberdade humana.

Em tempos atuais, parece às vezes inconveniente falar dessa prática salutar, pois o desconhecimento e os preconceitos religiosos acabam ofuscando um exercício que tem a capacidade de trazer tantos benefícios na vida espiritual e também fisiológica do ser humano.

O consumismo e o hedonismo que parecem ser as regras de ouro da pós modernidade, não concebem o equilíbrio que esse simples ato de renúncia  traz aos que, ainda hoje, se aventuram por essa prática milenar, que diferente de passar privação alimentar é comer com sobriedade fortalecendo, assim, a virtude da temperança.

Movimentos como vegetarianismo e veganismo tem levado milhares de pessoas a modificarem sua rotina alimentar, por razoes filosóficas e também por benefícios na saúde. A relação que temos com os alimentos pode ser carregada de muitas fantasias, às vezes na busca do dito corpo perfeito, narrado assim pelos estereótipos sociais, ou às vezes seguindo uma narrativa do descaso com a saúde, muitas vezes na direção de um suicídio lento.

Nós temos na Bíblia, no Livro de Daniel (Dn 1,12-15), o que chamamos jejum de Daniel, onde, durante 10 dias, Daniel e seus companheiros se abstém de carnes e álcool e suas aparências melhoraram. Hoje, estudos têm comprovado o benefício desse jejum que chamamos de parcial. Em 2017, uma das dietas mais populares nos EUA ficou conhecida como o “Programa de Daniel”, que tomou como base a vivência desse profeta.

Creio que retomar essa temática na atualidade não necessariamente evoca o descaso total com o corpo, como era entendido na Idade Média, onde a visão da carne era vista de forma extrema como algo negativo, onde mortificações poderiam chegar a agressões grotescas com o próprio corpo, que pelo batismo se torna templo do Espírito Santo.

Portanto, jejuar hoje, com a consciência moral, teológica e do ponto de vista da saúde, pode se tornar a prática do bem viver e, principalmente, se a abstenção do alimento tiver como resultado a partilha com aqueles que não tem “pão”. Nesse sentido, o jejum tomará uma proporção social, que no olhar da fé cristã é o acontecer do Reino.

Acredito que quando somos informados sobre a prática do jejum, segundo o olhar da instituição Igreja, percebemos a sabedoria na manutenção dessa prática, conseguimos entender que a liturgia nos prepara para tempos favoráveis, mas não se restringe somente a esses, a fome de muitos é permanente e isso não pode sair do nosso campo de visão.

Começamos nosso texto com a citação de São Pedro Crisólogo, onde ele afirma que jejum, oração e misericórdia devem estar juntas, inseparáveis, ocasionando, assim, fazer a vontade de Deus. Assim, enquanto ICaPP queremos desejar a todos os membros, pacientes e aqueles que nos seguem e simpatizam com o nosso trabalho, no qual procuramos unir fé e ciência, uma caminhada quaresmal bonita e saudável do ponto de vista biológico e espiritual.

Psi Darlen Vaz
(Menbro do ICaPP desde 2014)

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