Benefícios psicológicos do Tempo da Quaresma

O tempo da Quaresma, que iniciamos na Quarta-feira de Cinzas (22/02) e se estenderá até o Domingo de Ramos (2/4), quando iniciaremos a Semana Santa, constitui um dos períodos mais densos da fé católica. São dias em que o fiel se dedica, com mais intensidade, à vida espiritual e à caridade, com a finalidade de preparar-se para celebrar a Páscoa.

A Igreja Católica faz algumas recomendações para esse período, que é marcado por mais oração, por caridade e por sobriedade. Oração, jejum e esmola são três atitudes fortemente recomendadas para esse tempo. Atitudes que externalizam a vida espiritual e, consequentemente, tocam a dimensão humana e psíquica.

Para entender melhor desse assunto, conversamos com três psicólogos do Instituto Católico Psicologia e Pesquisa (ICaPP): Darlen Macedo Vaz, de Rio Grande (RS); Lúcia Maria Coimbra, de Ponta Grossa (PR); e Savana Bona Rossato Ody, de Dourados (MS).

Benefícios físicos e psicológicos do Jejum, da esmola e da oração

Segundo Savana, o jejum pode trazer benefícios psicológicos à medida que colabora no desenvolvimento de uma postura mais madura diante da vida. “Devemos educar nossa vontade, utilizando as faculdades humanas para orientá-la para o bem. E se estamos acostumados a satisfazer toda a necessidade de prazer do nosso corpo, corremos o risco de que nossos impulsos orientem a nossa vontade para atitudes desfavoráveis à nossa saúde física e mental, também chamadas de vícios. É quando ficamos mais vulneráveis a praticar o mal que não queremos, ao invés do bem que queremos. A abstinência, portanto, fortalece uma das faculdades humanas chamada apetite irascível, que é a busca e o desejo de bens eternos, que elevam a nossa alma, nos permitem o desenvolvimento de virtudes, o que favorece nossa saúde mental”, disse ela.

Quanto à prática da oração, Darlen apontou que estudos na Universidade de Duke, Estados Unidos, demonstraram que a oração aciona o lobo frontal no cérebro, que uma de suas atividades é ativar o sistema imunológico, gerando uma melhor resposta às doenças orgânicas. “Exames encefalográficos atestam que as ondas cerebrais na pessoa que ora tem uma frequência harmônica e rítmica, isto melhora o humor e estados ansiosos. A oração aciona o braço do sistema nervoso autônomo, que chamamos parassimpático. A oração aumenta a longevidade, pois quem ora com frequência tem seus níveis de stress saudáveis, reduzindo, assim, inflamações, protegendo nosso DNA, ou seja, a oração é capaz de estabelecer nossa homeostase física e psíquica”, disse ele.

Sobre a esmola, Darlen afirmou que, quando exercida de forma empática, nos ajuda a libertarmo-nos do egocentrismo e egoísmo. “A esmola é o exercício do desapego, talvez seja o mínimo que se possa fazer diante da injustiça social, visto que há milhões de pessoas pelo mundo passam necessidades por falta de recursos básicos para a subsistência. Dar esmola deve gerar alegria pela alegria do outro que recebe, mesmo que pouco, dessa forma nos sentimos alegres por estar realizando um bem, e nisso vemos acontecer a experiência das primeiras comunidades cristãs, que afirmavam ter mais alegria em dar do que receber”, afirmou Darlen.

Neste ano, a Campanha da Fraternidade, vivida na Igreja do Brasil no período da Quaresma, aborda o tema da fome. Com o Lema: “Dai-lhe vós mesmo de comer” (Mt, 14,16), a Campanha salienta a necessidade de cuidar do outro nas suas necessidades existenciais básicas. A prática da esmola pode se expressar na adesão aos apelos dessa Campanha.

Revisão de vida e mudança

“Convertei-vos e crede no Evangelho” é o que o ministro diz quando impõe as cinzas na cabeça do fiel na Quarta-feira de cinzas. Esse é um rito importante que marca o início da trajetória quaresmal. Converter-se, mudar de rota, então, é um dos apelos essenciais da Quaresma.

Para Lúcia, esse apelo à mudança faz parte do dinamismo e movimento, que são próprios da existência humana. “Movimento pressupõe uma reflexão dos meus comportamentos e atitudes e muitas vezes nos propõe “conversão” ou mudança dos rumos que estou impondo à minha vida, sem nenhuma reflexão. A quaresma, que retrata a história da humanidade em Jesus e seus apóstolos, convida-nos a refletir e imitar em nossa vida cada passo do sofrimento e da superação vividas por Jesus até sua ressurreição, ou “entrega total ao Pai”, disse ela.

Fazer revisão de vida deve ser algo mais do que pontual, circunscrito há um tempo, deve ser uma forma de bem viver. “Quando provocamos mudanças em nossas rotinas que nos auxiliam na eficiência de atividades e em relacionamentos saudáveis, estamos protegendo nossa saúde mental e fortalecendo a mesma. A desordem em nossas rotinas é um fator determinante para desenvolvermos um transtorno de ansiedade e também de humor”, afirmou Darlen.

Sobre a recomendação de conversão, ou revisão de vida, Savana disse que é muito benéfica para a psique humana. “A quaresma nos oferece a possibilidade de revisarmos a nossa vida, e assim encontrarmos atitudes das quais nos orgulhamos, mas também das quais nos arrependemos. Não é possível um equilíbrio emocional, se ignoramos quais são nossas forças para disponibilizarmos nossos talentos para o bem; assim como as nossas fraquezas, pois é na confissão daquilo que fizemos errado ou não fizemos bem feito, que poderemos buscar a redenção, através de uma atitude de reparação e um propósito de mudança”, disse ela.

Tempo de pensar na nossa finitude

Celebrar o Mistério Pascal, a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus, é também pensar na finitude da vida humana. A fé cristã professa a ressurreição, crê que a vida é eterna, que a morte não é o fim. Perguntamos aos psicólogos se essa esperança da fé cristã pode ajudar a viver de forma mais plena e saudável.

“O processo da vida é viver, mesmo com nossa limitação humana. Celebrar o Mistério Pascal é uma expressão que reflete a beleza de viver a vida com a certeza de que existe uma vida além, uma vida eterna, uma vida que não tem fim. Dessa forma, celebrar o Mistério Pascal é despertar a Fé, a Esperança e o Amor pela vida e pelos irmãos”, disse Lúcia.

“A finitude, que é a grande certeza da vida, nos acompanha desde o primeiro instante de nossa vida biológica. Costumo dizer que na vida podemos questionar a tudo, mas o fato morte se torna inquestionável, pois não é a raça, nem a cor e nem a religião que determina o fato, mas é a forma que a vida se estabelece enquanto tal. Então a perspectiva da finitude deve nos fazer viver bem o “aqui e agora”, de forma intensa e responsável. O olhar na ressurreição, a certeza da nossa continuidade, dá-nos força para, diariamente, tomar nossa cruz e seguir alegremente”, disse Darlen.

“Podemos afirmar que uma vida plena e saudável é aquela que tem sentido. Esse sentido, pode ser ilustrado com uma flecha, que aponta para uma direção. Nossa vida aponta para qual direção? O fim de todos parece ser a morte (única certeza que temos a respeito da vida). Mas para o cristão, a vida não termina na morte, porque com a ressurreição de Cristo foi inaugurada a possibilidade de que todo aquele que n’Ele crer, tenha a vida eterna. Esta, no entanto, será a recompensa daqueles que tiverem vivido no amor fraterno, seguindo os ensinamentos do Filho de Deus. Sendo assim, a flecha que aponta para este sentido, indica um caminho de escolhas saudáveis, que favoreçam o equilíbrio emocional e fortaleçam a nossa psique, nos preparando bem para essa vida, bem como para o Reino do Céu”, disse Savana.

Outros benefícios do Tempo da Quaresma   

Para Lúcia, o maior benefício da Quaresma é a certeza da superação. “A compreensão de que, para crescer, se desenvolver e se libertar de bloqueios, dores, medos, duvidas é preciso ir além de todo sofrimento, pois ali encontramos a libertação, a ressureição e a vida plena. Outro benefício é o reconhecimento de que, além do “sofrimento e da dor”, podemos experimentar a vida nova a cada situação de nossa história”, disse ela.

Segundo Darlen, “devemos valorizar em nossa vida os momentos bons, alegres e felizes, pois na transitoriedade da vida as boas vivencias são a reserva vital que precisamos para os tempos de escassez e penúria. A Quaresma não é um tempo para nos penalizar, mas sim mostrar-nos que também nós temos calvários, mas o calvário não é o fim último, não é a última palavra, mas o preparativo para a vida”. 

Darlen finalizou a entrevista sintetizando para a Quaresma nos prepara para a vida: “Meus caríssimos que a Quaresma nos prepare sim, não para a morte, mas para a vida, pois a morte é só uma parada da vida, ela continua, esta é nossa esperança\certeza”. 

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