Maio é um mês feminino. Celebramos o Dia das mães, é o mês preferido das noivas para o casamento, é também chamado do mês de Nossa Senhora.
Nesse clima, apresentamos uma relfexão do teólogo e poeta, Cardeal José Tolentino de Mendonça, sobre como as mulheres entendem Jesus e vivem o Evangelho.
As mulheres abrem-nos o Evangelho
As mulheres dos Evangelhos expressam-se preferencialmente pelos gestos. A sua fé busca o sustento do toque (sensível, emotivo, desarmado), em vez da abstração. Empenham-se mais no serviço dedicado e escondido, em que o bem do outro é colocado em primeiro lugar, do que na preocupação em disputar a liderança ou ficar à frente dos processos. É curiosa a fórmula que Lucas usa no sumário do capítulo 8, 1-3:
Em seguida, Jesus ia de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, proclamando e anunciando a Boa-Nova do Reino de Deus. Acompanhavam-no os doze e algumas mulheres, que tinham sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demônios; Joana, mulher de Cuza, administrador de Herodes; Suzana e muitas outras, que os serviam com seus bens.
Tal como os Doze, as mulheres “acompanhavam” Jesus. Faziam do destino dele o seu destino. Mas acrescenta-se algo mais: elas “serviam”. Na gramática de Jesus, não há verbo mais nobre nem mais religioso que esse: servir. É a central e infatigável lição de Jesus que as mulheres escutam. Não é pouca coisa! De fato, não escutaremos das mulheres grandes perguntas ou comentários. Por um lado, porque não era suposto naquele enquadramento cultural do século I escutar o que as mulheres pensavam. Mas, por outro, porque as mulheres representam uma posição profundamente evangélica. Nenhuma mulher apareceu perguntado a Jesus: “Senhor, são poucos os que se salvam?” (Lucas 13,23); ou, numa perspectiva mais individual, “Mestre, que hei de fazer para possuir a vida eterna?” (Lucas 10, 25). Nenhuma mulher o interrogou sobre a sua autoridade ou saiu a questionar a legalidade dos atos de misericórdia que ele desenvolvia. Não lhes pertence a bateria de perguntas dos que tentam manietá-lo, dizendo: “Não é ele o filho de José?” (4,22); “Que significa isto?” (4,36); “Por que comes e bebes com publicanos e pecadores?” (5,30); “Por que fazes o que não é permitido em dia de sábado?” (6,2). Pelo contrário, mesmo se por uma única vez São Lucas conta que, do meio de uma multidão, fez-se ouvir o grito irresistível de uma anônima. E esse grito foi esclarecedor: “Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram!” (Lucas 11,27). Normalmente, a voz das mulheres não se fez ouvir nas praças ou escutou-se trêmula como o narrador lucano diz ter sido a da hemorroíssa: “Vendo que a multidão tinha passado despercebida, a mulher aproximou-se, a tremer; e, lançando-se aos pés de Jesus, contou diante de todo o povo por que motivo lhe tinha tocado e como ficara imediatamente curada” (Lucas 8, 47). Mas o grito anterior da anônima na multidão talvez só uma mulher pudesse fazer. Fala da gestação e do crescimento, da bem-aventurança não especificamente teológica mas universal que é embalar com amor o concreto da vida, debruçar-se para ela, alimentá-la, ajudar a consolidar uma existência. Há claramente uma outra forma de comunicação que as mulheres protagonizam. “Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram!” Com as mulheres há um fluxo de realidade a modelar a fé. Esta não fica prisioneira – como a nossa tantas vezes fica – do racionalismo, da doutrina vivida mecanicamente ou do rito. Há uma densidade existencial, um sabor de cotidianidade que perfuma a fé. Frequentemente, o espaço é o doméstico da casa. A ocasião é a de uma refeição. O âmbito é o das relações. O exercício é o do cuidado. E há uma sensibilidade envolvente ao todo da vida, mesmo quando ela é minúscula e dolorida.
(Extraído do Livro: “O elogio da sede” – José Tolentino de Mendonça. Paulinas Editora. Pág. 80 a 82)