Tocados pela comovente celebração na Praça de São Pedro, presidida pelo Papa Francisco, do dia 27 de março deste ano, todos nos sentimos questionados em nossa fé. Para que a fé, é a pergunta que o Cardeal Ratzinger, em seu livro Credo para hoje – em que acreditam os cristãos, responde. Transcrevo um pequeno trecho. (Dr. Ismael José Vilela)
“Ser cristão é praticar o amor; é fazer a viragem copernicana na nossa vida, deixando de nos considerar o centro do mundo, à volta do qual giram todos os outros.
Se formos sinceros e honestos conosco mesmos, notamos que esta mensagem maravilhosa não é só algo libertador, mas que traz em si, ao mesmo tempo, algo muito perturbador. Na realidade, qual de nós pode dizer que nunca passou ao lado de uma pessoa com fome ou com sede, ou de alguém que precisava de ajuda? Qual de nós pode dizer que sempre se aproximou dos outros, com a intenção de fazer o bem? Quem não tem de admitir que, mesmo ao fazer o bem, não deixou infiltrar um pouco de egoísmo e de busca de si mesmo? Qual de nós não tem de admitir que ainda vive na ilusão pré-copernicana, olhando os outros só em função de si mesmo? É por isso que a grandeza da mensagem libertadora do amor, como o conteúdo único e necessário do ser cristão, tem si também algo de perturbador.
É neste ponto que se coloca nossa fé. No fundo, a fé significa que este déficit de amor que todos temos, foi compensado pelo superabundante amor de Jesus Cristo. Diz-nos simplesmente que Deus derramou a abundância do seu amor no meio de nós, cobrindo antecipadamente o nosso déficit de amor. Ter fé é, em última análise, tão só aceitar que temos um tal déficit; isto é, abrir as mãos e acolher os dons. Na sua forma mais simples e íntima, a fé não é mais do que aquele momento do amor, em que reconhecemos que nós mesmos precisamos de ser amados. Ter fé é aquele momento do amor, onde este se revela como tal; consiste em ultrapassar a auto-suficiência e a auto-satisfação de quem nada precisa e diz: fiz tudo e não preciso da ajuda de ninguém. Só com esta fé acaba o egoísmo, o polo contrário do amor. Nesta medida, a fé está presente no verdadeiro amor, onde este se realiza: a abertura daquele que não confia no seu próprio poder, mas que se sabe agraciado e necessitado.
Naturalmente que esta fé é susceptível de desenvolvimento e explanação. Nós precisamos de tomar consciência de que o gesto das mãos estendidas, a simplicidade do receber, onde o amor se revela na sua pureza intrínseca, é um tatear no vazio, caso não haja quem as encha da graça do perdão. E tudo acabaria no vazio e no sem sentido, não fosse a resposta que é Jesus Cristo. Assim, o ato de fé, sinal do verdadeiro amor, já implica a desejada aceitação do mistério de Cristo, que, quando acontece, se sente como um necessário desenvolvimento deste gesto fundamental, cuja recusa seria a rejeição da própria fé e do próprio amor”.
CARDEAL RATZINGER – BENTO XVI. Credo para hoje. Em que acreditam os cristãos. Editorial Franciscana. Braga. Páginas 13 a 15.