*José Tolentino de Mendonça
Uma das experiências humanas e espirituais mais libertadoras é quando conseguimos a força de agradecer a Deus: “Eu vos dou graças por me haverdes feito tão maravilhosamente” (Sl 138[139],14). De fato, a nossa humanidade é narração de Deus: o nosso rosto conta como é o seu; as nossas mãos mostram-nos as suas; ele fala pelas nossas palavras e respira melhor à medida que nossos gestos se tornam amplos; os nossos olhos testemunham como os dele cintilam; os nossos silêncios e os nossos risos são mapas muito aproximados para quem quiser chegar a ele. A nossa fragilidade dá a ver a força da sua compaixão. As ausências em que nos perdemos permitem que se revele ainda mais a sua amizade. Como qualquer mãe ou pai, ele não deseja que o filho seja mais alto ou baixo, mais louro ou tisnado. Ele só quer que os seus filhos sejam o que são e de maneira plena. Nada há em nós que lhe seja desconhecido ou indiferente: interrupções e recomeços, frustrações e desafios, turbulências ou tempos de paz. Ele chega a toda hora, sem nunca verdadeiramente partir. Ele entra quando lhe abrimos a porta, mas está sempre presente. Ele está aqui e além. Está abraçado a nós e está à nossa espera para o abraço sem fim.
(MENDONÇA. José Tolentino. Nenhum caminho será longo: Para uma teologia da amizade. Paulinas Editora. São Paulo: 2013. p. 134)