Amar a Deus por nada, gratuitamente

*José Tolentino de Mendonça

Deus respeita a nossa liberdade, não quer nos prender. Deus criador ama a nossa capacidade de criação. Não somos obras estáticas em suas mãos. É verdade que nos sobrevém sempre a tentação de um certo providencialismo (“Deus me acuda, Deus faça isto, faça aquilo…”), quando o importante é a experiência fundamental de saber que ele está conosco e nos tem por amigos. Deus faz isso sem nos querer controlar, domesticar, sem invadir o nosso segredo. Por vezes, a ânsia que temos de ser poupados aos sofrimentos do presente torna a religião uma coisa muito confortável, feita à nossa medida, como se a religião fosse um clube de escapistas. Se a religião é um seguro de vida, vamos fazê-lo, por que não? O caminho da amizade com Deus, porém, é outro. É necessário amar a Deus por nada. Amá-lo, simplesmente. “A rosa não tem porquê./ Floresce porque floresce./ Não cuida de si mesma. / Nem pergunta quem a vê…”, ensina Angelus Silesius. Ou, como escreveu Gertrude Stein, “uma rosa é uma rosa é uma rosa”.

Amar a Deus por nada, gratuitamente, Santa Teresinha do Menino Jesus dizia: “ainda que não houvesse paraíso eu continuaria a amar a Deus”. Temos de ultrapassar uma determinada concepção do cristianismo como máquina de fabricar castigos e recompensas. Os santos ensinam-nos o mistério da amizade divina: aceitar o que Deus me quer dar, aceitar a noite e o nada, o silêncio e a demora, aceitar a graça e fraqueza. Aceitar, aceitar. De tudo fazer caminho. Quando nos dispomos a isso, estamos finalmente mergulhando numa experiência de amizade. Não apreciamos os nossos amigos apenas pelo que eles nos dão; eles podem vir de mãos vazias que os amamos da mesma maneira. Para dizer a verdade, por vezes, as coisas, na amizade, só atrapalham. A nossa relação com Deus também passa pelas mãos vazias: o fundamental é o encontro, aquilo que, misteriosa e gratuitamente, se comunica de coração a coração.

(MENDONÇA. José Tolentino. Nenhum caminho será longo: Para uma teologia da amizade. Paulinas Editora. São Paulo: 2013. p. 22 e 23)

Um comentário sobre “Amar a Deus por nada, gratuitamente

  1. Maravilhosa é a caminhada pautada na gratuidade e no bem!!! Esse é o caminho de qiem vive com Deus!!!

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