A ação de escutar

*Aquilino Polaino

Escutar não é, contra o que alguns podem  supor, uma conduta passiva, nem o mero estado de passividade em que se encontra a pessoa que ouve. Ouvir coisas ou sons não é sinônimo de escutar. Escutar não é algo que se confunda , por exemplo, com o costume que se tornou rotina, de abancarmos em frente da televisão: as cenas e sons que emite, são vistos e ouvidos por quem a eles se abandona. Mas essa passividade assim induzida – embora distraia e ajude a matar o empo – não coincide com a ação de escutar.

Escutar é, antes de tudo, “estar presente” de quem fala. Estar presente é uma conduta ativa que leva a estar preso ao outro e daquilo que o outro diz. Estar presente do outro mais não é do que a permanência do próprio ser num precário e inestimável equilíbrio que necessita do outro para não cair.

Quem escuta “pende” de quem fala e, por isso mesmo, “de-pende” dele. A corda que segura e dá segurança – da qual “pende” quem escuta – é feita com o encadeamento das palavras que saem da boca do outro. Dessa escuta “de-pende” (e “pende”) a sua segurança.

Através dos seus sons, as palavras cativam misteriosamente e transferem certos significados de umas pessoas para as outras. Quem escuta está cativado e cativo da palavra que ouve e da pessoa que a diz. Comporta-se, de certa forma, como refém do discurso que ouve.

Embora muito importante, isto não é o mais importante. Se quem ouve se deixa prender e embeber de tal forma no discurso de quem fala que se esquece da pessoa da qual procede o discurso, é provável que não esteja realmente a escutar.

Porque com a sua atitude e comportamento estaria a demonstrar que lhe importam mais as coisas de que se fala do que a pessoa que fala; que o seu interesse está desfocado porque deixa fora do foco o sujeito, origem da palavra; que se atem mais à forma do que ao fundo, à informação do que ao informador.

Estas atitudes errôneas a  respeito da escuta são hoje em dia relativamente frequentes. Isto manifesta que também o outro pode ser utilizado a pretexto de constituir apenas uma relevante fonte de informação. Nesse caso, são o próprio interesse e a conveniência – mas não as pessoas – que dirigem a ação de escutar.

Este tipo de escuta nega a sua própria natureza por estar mais atenta – por ser o único que na verdade importa – ao que se diz do que a quem o diz. Neste caso adota-se uma atitude muito parecida com a de quem se distrai a ver a televisão. Basta que o discurso do outro quebre ou suscite menos interesse em quem escuta para que a tensão da escuta ativa se anule e/ou “mude de canal”.

Escuta quem se abre ao outro tanto ou mais do que ao conteúdo do que o outro diz. Mais ainda:  escuta-se o que o outro diz, não só pelo interesse no que é dito mas pela pessoa que o diz. A pessoa está na origem da palavra. A palavra ouvida conduz sempre, de uma ou de outra forma, à fonte – à pessoa – à origem de quem procede.

O fundamento da escuta é o respeito, o respeito pela pessoa que fala. Quem fala é anterior e superior ao que diz. Quem fala mostra-se-nos como um ser único no mundo, independentemente de o que nos conta ser ou não relevante. A ação de escutar transforma a pessoa que escuta num ser ativo e ávido por conhecer a outra pessoa e aquilo que lhe sucede e nos revela.

A escuta ativa acolhe, simultaneamente, o que é dito e a pessoa que o diz. A escuta atenta permite pormo-nos no lugar do outro, experimentar o que o outro experimenta, assumir o seu peculiar ponto de vista, criar empatia com os sentimentos que expressa ao falar, numa palavra, sintonizar com ele.

Hoje muito divulgadas, expressões  como a “escuta ativa” são lugares-comuns. Quando a escuta tem de ser qualificada com o adjetivo “ativa” para que adquira algum significado, o mais provável é que não compreendamos a sua natureza. A escuta é, em si mesma, ativa. Escutar é uma das formas mais poderosas da atividade humana. Não tem sentido, por isso, que seja acompanhada de um tal rótulo. Além disso, à força de se repetir, essa mesma “atividade” a que se faz referência, converte-se em algo meramente conceptual e estereotipado. Mas,  ao mesmo tempo que a escuta é ativa – e como que formando parte dessa atividade -, é também empática e reflexiva. Estudemos em seguida as fontes das quais a escuta procede.

(POLAINO, Aqulino. Aprender a escutar. A necessidade vital de comunicarmos. Editora Diel. Lisboa (2009). Páginas 40 a 42).

*Aquilino Polaino é doutorado em medicina, especialista em psiquiatria e licenciado em filosofia. Catedrático de psicopatologia na Universidade Complutense onde exerceu durante três décadas, é atualmente diretor do Departamento de Psicologia da Faculdade de Medicina da Universidade San Pablo – CEU. É membro das Reais Academias de Medicina de Cadis, Granada e Valência. Publicou mais de meia centena de livros e quatrocentos artigos de temas da sua especialidade e dirigiu meia centena de teses de doutoramento.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s