“A fé na Ressurreição é a fé num verdadeiro acontecimento. Também hoje continua válido afirmar que o cristianismo não é lenda ou poesia, não é um simples apelo ou consolação. A fé assenta em fundamentos sólidos de acontecimentos verdadeiros; nas palavras da Escritura ainda hoje podemos tocar às chagas abertas do Senhor e, gratos e alegres como Tomé, dizer: “Meu Senhor e meu Deus”(Jo 20,28).

Mas não podemos fingir a questão que sempre vem. Nem todos viram Jesus, o ressuscitado. E porque não? Porque não se dirigiu triunfante aos fariseus e a Pilatos para lhe mostrar que estava vivo, permitindo que eles mesmos tocassem as suas chagas? Esquecemos nessas questões, que Jesus não era um morto que regressou a vida, como Lázaro ou o filho da viúva de Naim, a quem foi permitido regressar a vida biológica, que mais tarde havia de terminar inexoravelmente na morte definitiva.
O que aconteceu com Jesus foi outra coisa: Ele não regressou ao antigo, mas desabrochou para o novo, para a vida eterna, onde não mais estará submetido a lei natural da morte, entrando definitivamente na liberdade de Deus. Isso significa que esta vida deixou de pertencer ao âmbito da física e da biologia, mesmo que a matéria e a natureza tenham sido incorporadas de forma superior. Por isso, não pertence mais ao que pode ser tocado e observado pelos sentidos. Não vemos o ressuscitado como vemos um pedaço de madeira ou uma pedra. Só O vê a quem Ele se revelar. E Ele só se revela a quem puder enviar. Não se revela à curiosidade, mas ao amor – este é o sentido necessário para esse tipo de visão de percepção.
Isto não significa que o que é interpelado pelo Senhor tenha de ser um crente. Paulo não o era; Tomé não o era; como não o eram os onze, que se deixaram levar pela dúvida e tristeza. Para eles só havia duas hipóteses: ou a vitória de Jesus com a implantação do Reino messiânico, ou o seu aniquilamento. Ressurreição como se lhes apresentou, não pertencia a seus conceitos nem às suas expectativas. Não é a fé que possibilita uma visão do Ressuscitado. É a realidade do Ressuscitado que desperta a fé, onde existe descrença ou covardia. O que o Senhor pressupõe é a disponibilidade do coração, que está aberto para ser chamado e para se colocar numa atitude de serviço. Não nos podemos ficar pelo olhar; tem de se tornar em amor e em testemunho. Há ainda outro aspecto importante. Jesus revela-se no caminho – como se constata com toda a clareza na história de Emaús e no encontro com Maria Madalena. Ele chama- nos no caminho. Ressurreição não é resposta à curiosidade, mas envio: pretende transformar o mundo. Convida a uma alegria ativa, a alegria daqueles que querem partilhar o caminho com o Ressuscitado. Isso é válido também para hoje. Jesus só se revela no caminho. Foi esta a primeira palavra do anjo às mulheres: Não está aqui; Ele precede- vos; lá o vereis (Mc 16,6). Com isto se descreve para sempre o lugar do Ressuscitado e a forma como encontrá-lo: Ele precede-vos. Está presente precedendo-nos. Seguindo- o, podemos alcança-lo”.
Texto extraído do livro: ESPLENDOR DA GLÓRIA DE DEUS – MEDITAÇÕES PARA O ANO LITÚRGICO. Cardeal Ratzinger. Editora Franciscana. Braga. Páginas 76 a 78.